3ª TEMPORADA DE THE HANDMAID’S TALE | CRÍTICA
ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS
A 3ª temporada de The Handmaid’s Tale nos apresenta uma evolução diferente dos personagens, agora assistimos uma particularidade ainda maior da perversidade de Gilead e o impacto que o sistema causaem seus habitantes. Uma temporada menos violenta, mais política e reflexiva.
Entramos em uma atmosfera diferente nesta temporada, nos aproximando ainda mais do caos emocional dos personagens e descobrindo que nem mesmo June, apesar da força que exprime desde o início, está a salvo de se perder. De forma cautelosa, a série encaminha para algo maior, que parece ter sido guardado para a próxima temporada.
SAÚDE MENTAL E TRAUMAS CONSTRUÍDOS
Presenciamos o quanto a podridão de Gilead está irremovível dos mais altos aos baixos escalões da sociedade, inclusive vinda daqueles que ajudaram a fundar a República e agora temem ser igualmente punidos por aquilo que construíram.
Ninguém está protegido ou é intocável pela maldade do lugar, o que os responsáveis pelo golpe de estado não esperavam, era que a obscuridade também lhes pudesse atingir ou danificar profundamente, a ponto de ser tornar irreversível. Nenhum ser humano que já tenha vivido em uma democracia, com liberdade de ir e vir e ser o que quiser, jamais se tornaria domesticado ou ileso de danos vivendo em uma sociedade enferma como Gilead.
Observamos desde o início da série as severas punições contra os traidores, com amputações ou penas de morte, mas a 3ª temporada de The Handmaid’s Tale também aborda os danos que são silenciados ou ignorados – os que envolvem a saúde mental.
Não temos total clareza sobre quais são os problemas de Eleanor (Julie Dretzin), mas fica claro que tudo que envolve Gilead a perturba. Temos convicção de que ela enfrenta algum transtorno psiquiátrico, mas a morbidade da sociedade que seu marido, o comandante Joseph Lawrence (Bradley Whitford), ajudou a implantar, claramente a aflige.
Apesar de seu estado mental, ela tem plena convicção que o que fazem com as Aias são estupros, que o confisco de crianças de suas verdadeiras mães são sequestros e que as Colônias foram arquitetadas para se livrar de mulheres que não possuem mais serventia para o governo. Como resultado, presenciamos seus picos extremos como perda de orientação da realidade, a tentativa de assassinar o marido e a perda da própria vida.
PSICOPATIA OU REFLEXO DO SISTEMA?
Vagamos pela solitude de June e nos sentimos devastados pela mesma. A protagonista que sempre tentou lembrar não só a ela, mas as demais mulheres que é preciso lutar para sobreviver, agora vê o tempo passar, os planos falharem e sua filha primogênita cada vez mais distante. Nem mesmo os mais fortes conseguem manter a sanidade intacta.
June nos narra a história, nos contando os segredos mais obscuros que descobre, de forma que compartilhamos de seus medos, angústias e revoltas, e pela primeira vez, conhecemos um lado da personagem, que talvez fosse desconhecido até mesmo por ela. Com a língua afiada e um tanto quanto cínica, June sabe que algumas coisas a mantém protegida dentro de Gilead e usa este minipoder a seu favor; ela já não demonstra temer as mais graves consequências pelos seus atos.
Eventualmente vamos recebemos sinais de que a protagonista não se comporta como no início, o que faz completo sentido com a trajetória da personagem. Os traumas transformam uma pessoa por completo e Gilead, transformou June ao longo dos anos. Até mesmo o comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes), afirma para Luke (O-T Fagbenie) que a esposa dele não é a mesma mulher com a qual ele se casou no passado.
É o limite, como se não houvesse mais nada a perder, ela desafia o sistema. Salvar Hannah sempre foi sua principal motivação, por isso nenhuma das oportunidades de escapar são bem-sucedidas. As chances de recuperar a filha são maiores se ela estiver dentro de Gilead, mas é como se a fé de June estivesse abalada.
A crueldade que parece ter se instaurado em sua personalidade é fruto do que tem vivido. A perda da família, perda de liberdade e direitos, estupros, agressões, enforcamentos, ameaças, mutilações, etc – até quando a mente humana é capaz de se manter sã sob barbárie? Afetar ou prejudicar, o mínimo que seja, quem colabora com o sistema, se torna prazeroso e vira estímulo para se manter esperança e se sentir viva.
NÃO HÁ ILESOS EM GILEAD
A série não perde o compasso, mas segue fazendo com que saboreemos cautelosamente cada ação e reação dos personagens e há consequências. Não há impunes, e a 3ª temporada de The Handmaid’s Tale nos prova que as contas serão acertadas mais cedo ou mais tarde e ninguém sai ileso de Gilead, nem mesmo aqueles que foram responsáveis pela sua construção. Carma is a bitch.
A hipocrisia cobra e a corrupção paga na mesma moeda. Serena Joy (Yvonne Strahovski) que parece inicialmente montar uma cumplicidade com June, logo abre mão de sua realidade em busca do único amor que a interessa: Nichole.
Entre acordos feitos às escuras com o Governo Canadense, ela é pega cometendo os mesmos crimes que denuncia ao tentar incriminar Fred em troca da filha, já que o Comandante expõe a obscuridade existente na esposa.
Já Lawrence demonstra certa perversidade e parece por vezes, estar em um jogo com aqueles à sua volta. Não se sabe ao certo até que ponto o Comandante é confiável e quais são suas reais motivações para contribuir (por bem) com quem ou quando deseja.
Ao que parece, as consequências das ações do Comandante o assombram e a morte de Eleanor pode ter sido a cartada final para definir de que lado Lawrence realmente quer estar.
Tia Lydia (Ann Dowd) não nega a sua natureza. A 3ª temporada de The Handmaid’s Tale nos apresenta um recorte do passado da cuidadora principal das aias, que inicialmente parece ser uma mulher amável, até nos contemplarmos com sua verdadeira essência.
A vulnerabilidade de Lydia não justifica suas ações maldosas, pelo contrário, dizem muito a respeito dela, e ao que parece, mesmo antes, seus preconceitos e julgamentos embasam o que acredita ser certo ou errado. Entende-se que Gilead não transformou Lydia, mas a acolheu pela identificação de suas crenças.
PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA TEMPORADA
A 3ª temporada de The Handmaid’s Tale pela primeira vez amplia seu leque e expõem outras cidades da República de Gilead, provando que sim, há cenários piores do governo totalitário, como a capital, Washington. As punições se revelam drasticamente ainda mais severas, como aias que são silenciadas à força por meio de grampos nos lábios.
Apesar de termos ansiado pela tão sonhada revolução e uma grande reviravolta no enredo que não veio, a temporada não entrega qualidade ou narrativa inferior às demais. O aprofundamento no campo político, as estratégias, a consolidação de laço e confiança entre Marthas e Aias, assim como a violência psicológica, são pontos fortes e talvez essenciais para o que está por vir.
Mesmo tendo conseguido escapar de Gilead, Emily (Alexis Bledel) ilustra perfeitamente como é ser uma sobrevivente e como estar livre nem sempre carrega consigo a plenitude do significado. Infelizmente a série começa essa abordagem muito bem, mas a reconstrução da personagem e sua reinserção na sociedade parece ter sido esquecida.
De forma breve, soando quase como uma participação especial nesta temporada, Nick (Max Minghella) se promove a Comandante e é enviado para Chicago. O personagem que desenvolveu um papel importante na vida de June na primeira e na segunda temporada, é posto completamente de lado e perde relevância na terceira.
Com uma season finale de tirar o fôlego, Elisabeth Moss entrega corpo e alma ao papel que continua a impressionar com todo o seu expressionismo facial na transmissão de sentimentos. O olhar da atriz quebra a quarta parede e o cinismo da personagem nos faz continuar a ter esperança por um final feliz pouco provável na série.
A cena final que se entrega quase como bíblica, traz uma narração de June, semelhante ao Êxodo 3:7-8, em que Deus aparece para livrar o povo sofrido para uma terra boa, vasta, onde manam leite e mel – fazendo referência ao seu ato de sacrifício que salvou mais de 50 crianças e algumas Marthas.
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NOTA:
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Marcella Montanari
Uma jornalista um tanto quanto nerd, apaixonada por conteúdo, música, filmes, séries e afins. Fundou o blog para dividir as alegrias e as angústias de uma vida que surpreende a cada novo capítulo.
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