
AINDA ESTOU AQUI | RESENHA LITERÁRIA
Ainda sinto a fadiga por tanto segurar o fôlego durante a leitura de Ainda Estou Aqui. O livro do autor Marcelo Rubens Paiva que deu origem ao longa premiado como Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2025, traz uma coletânea de memórias amargas sobre um passado ainda muito recente no Brasil, e que dado a triste realidade da nossa atual política nacional, reviver essa história e tantas outras de vítimas da ditadura militar se torna necessário para que nunca permitamos que isso chegue perto de se repetir.
A ditadura militar é uma das maiores manchas na história do Brasil, e por mais que isso seja frequentemente lembrado nas escolas, nas universidades e nos jornais, algumas pessoas mal-intencionadas continuam tentando minimizar seus males e danos irreparáveis para as famílias que viveram os piores momentos de suas vidas naquele período, assim como para o país, que herdou um legado de dívidas, inflação, desigualdade e fragilidade estrutural.
Por mais que saibamos artificialmente das incontáveis vítimas da ditadura, em Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens nos faz um relato íntimo, angustiante e bastante pessoal sobre o inicial desaparecimento de seu pai, Rubens Beyrodt Paiva até o descobrimento de suas seções de tortura e seu assassinato brutal pelas mãos do estado.
Não espere uma leitura com espetacularização da tragédia, mas sim um relato honesto e doloroso de como foi perder o pai por ajudar vítimas da repressão, exilados políticos e suas famílias.
Ainda Estou Aqui foi uma experiência literária angustiante, que demandou pausas, às vezes extensas, para absorver e digerir tanta dor e absurdos que ainda nos indignam do que o ser humano é capaz de fazer. A escrita de Marcelo nos aproxima da família e dos acontecimentos com uma escrita fluída e íntima para nos contar o necessário de suas viagens ao tempo de criança até a fase adulta, que exigiu uma reconstrução do zero de si e de toda a família.
Uma história sobre sobrevivência e resistência, que lauda a coragem para aqueles que ainda tinham dúvidas sobre os motivos pelos quais os Paiva não choram em público.
A construção da narrativa exalta a grandeza como pessoa e mulher que Eunice Paiva foi, não somente pela memória do marido, mas por lutar pelos direitos que ela e a família mereciam, além de, é claro, dos benefícios que sua luta também trouxe a diversas outras vítimas de um período que jamais deveria ter existido.
Ainda Estou Aqui é uma daquelas leituras que deveria ser obrigatória para um país que vive um turbilhão de sentimentos políticos tão polarizados e flerta tão facilmente com discursos fascistas e ultraconservadores, atingindo assim, milhares de pessoas que não se enquadram num quadro torto de regras criadas por homens brancos da elite que não se importa com nada além de si mesmos e os próprios interesses.
Se toda essa análise ainda não foi capaz de esclarecer meus sentimentos sobre essa leitura, preciso agir de forma mais explícita, dizendo que o livro impactou uma parte de mim que ainda parecia intocada, e perante todos os defeitos de Eunice Paiva (como qualquer ser humano), suas qualidades ainda se sobrepõem.
Às vezes é preciso muito pouco para arrancar a humanidade de alguém, principalmente quando se trata de afetar aqueles que mais amamos. É impressionante como a família toda soube lidar com a situação mais aterrorizante de suas vidas de forma resiliente como fizeram.
Mesmo que a escrita de Marcelo seja ótima e clara (parecendo ser leve devido ao bom-humor dele), absorva a história com calma e respeite seu choque histórico (por mais que a ditadura já lhe cause nojo) ele vai vir. Minha dica é: lembre-se de assim como eu, passar a leitura para a frente. Ela é necessária e urgente, pois narra uma história sobre ausência, mas também sobre presença, e a necessidade de lembrar, resistir e seguir em frente.


Marcella Montanari
Uma jornalista um tanto quanto nerd, apaixonada por conteúdo, música, filmes, séries e afins. Fundou o blog para dividir as alegrias e as angústias de uma vida que surpreende a cada novo capítulo.

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