AMÊNDOAS | RESENHA LITERÁRIA

E se no fundo todos formos monstros pelos olhares julgadores e incompreensíveis da vida? Amêndoas é um livro que constantemente nos desperta um desconforto com a intenção de nos tirar de nossas bolhas, principalmente aqueles privilegiados que se deixam cegar pelas regalias provindas da sorte de terem nascido onde nasceram.

O livro Amêndoas nos conta a história do jovem Yunjae, diagnosticado com Alexitimia, uma condição mental que incapacita a pessoa de identificar e expressar sentimentos. As causas mais conhecidas para o diagnóstico são: falta de desenvolvimento emocional na infância, transtorno de estresse pós-traumático e amídalas menores que o padrão.

A autora Won-pyung Sohn, desde o início nos informa que não sabe dizer se a história do livro tem ou não um final feliz, a fim de evitar que as pessoas criem expectativas sobre um desfecho que não haverá. A obra nos envolve pela simples e árdua tarefa de analisar personagens que poderiam muito bem não ser ficcionais, ou seja, de que forma estamos lendo o mundo ao nosso redor?

A história de Yunjae faz com que imaginemos um mundo inimaginável pelas nossas próprias experiências. Já pensou ser incapaz de sentir medo ou felicidade? Ou ter que viver decorando sentimentos que não sente, e por assim dizer, viver numa eterna peça teatral?

Criado pela mãe e pela avó materna, Yunjae vive uma constante sensação de não pertencimento ao mundo que parece não o compreender, ou sequer exerce esforços para isso, mas as mulheres de sua vida são as responsáveis por educá-lo e ajudá-lo. Ao longo da história, um caso fatal acaba por dificultar ainda mais o desenvolvimento do jovem que agora se vê sozinho tendo que reaprender a existir, mas agora, sem ninguém para guiá-lo.

A autora Won-pyung Sohn consegue nos embalar pelas páginas de forma sabida, tendo a certeza de que muitos de seus leitores seriam pessoas privilegiadas como ela, por nunca terem vivido ou tido conhecimento de que poderiam existir pessoas ou condições como a descrita para se viver. Ainda assim, não é este o cerne do livro, na realidade, o maior argumento em jogo é nossa forma de ler o outro, justamente aquilo que tão se difere de quem sou. E foi assim, que o livro me conquistou.

O desenvolvimento de Yunjae em Amêndoas nos provoca quase uma sensação maternal, a fim de envolvê-lo nos braços e protegê-lo de quaisquer malefícios que possam surgir em seu caminho, ao mesmo tempo que entendemos o quanto o excesso de proteção, pode por vezes, mais prejudicar do que beneficiar o outro. O que difere ou excede o limite entre cuidado e falta de estímulo? A confiança da incapacidade?

São tantas nuances, tanta profundidade concebida nos personagens, que chega a ser inacreditável que são apenas seres ficcionais criados por uma mente brilhante. E não pense que sua construção se dá por fatos laboriosos, pelo contrário, são personagens que adentram na simplicidade e complexidade do que é na realidade ser humano.

O livro me atingiu ironicamente de forma risível diante do meu nervoso em perceber o quanto nossos sentimentos se assimilavam, mesmo não tendo linhas históricas similares. É essa conexão, às vezes inexplicável, que nos faz entender o peso existente em uma obra literária.

Amêndoas é uma leitura inquietante, por vezes sobrecarregada por ser muito real, mesmo sendo ficcional, mas intensa para aqueles que gostam de capturar valiosas lições em que estávamos desatentos demais para relembrar fora das páginas.