WandaVision e o processo de luto da Feiticeira Escarlate
Divã,  Ensaio da Mente

A REPRESENTAÇÃO DO LUTO EM WANDAVISION

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Afinal de contas, o que é o luto? O neurologista e psiquiatra, Sigmund Freud, criador da psicanálise, entende o luto como uma reação à perda, não necessariamente de um ente querido, mas também a algo que tome as mesmas proporções, portanto, um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano.

Sendo assim fica claro que o luto não está relacionado apenas com a morte, mas sim a perda abrupta de um objeto de desejo, podendo ser um término de relacionamento, a morte de um ente querido ou de um animal de estimação, processo de demissão, etc.

Freud afirma que o luto é um processo lento e doloroso que tem como características: a tristeza profunda, o afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor.

De acordo com a psiquiatra, Elisabeth Kubler Ross, há 5 fases durante o processo de luto, sendo elas: negação, raiva, barganha, depressão e finalmente, aceitação. Ela destaca também que nem todas as pessoas irão vivenciar o luto da mesma forma.

Mais que uma série sobre super-heróis, WandaVision mostra de forma clara o impacto emocional de todas as perdas na vida de Wanda Maximoff, que como forma de aliviar a dor, cria a sua própria realidade.  A personagem ocupa a cidade de Westville, criando um domo ao redor dela, obtendo o controle de tudo e todos  com o propósito de amenizar a própria angústia.

O processo de luto de Wanda em WandaVision
Créditos da imagem - Divulgação: WandaVision / Disney+

Apesar de causar sérios danos para todos os moradores da cidade de Westville, Wanda não o faz propositalmente, e isso fica claro em vários momentos da série, na qual ela se expressa dizendo que não entende como tudo aquilo aconteceu, mas que a única coisa que conseguia sentir era um vazio muito grande.

Depois que Wanda tomou a cidade, agentes da S.W.O.R.D foram até as proximidades do local investigar e tentar compreender o que estava acontecendo e quem estava por trás do ocorrido, com o propósito de fazer as coisas voltarem ao normal.

Particularmente acredito que é impossível não sentir empatia por Wanda, ainda mais se você assim como ela, já perdeu alguém importante. Será que se pudesse, você também não criaria uma realidade alternativa para viver com essas pessoas?

Os primeiros episódios mostram Wanda tendo uma vida “perfeita” ao lado do marido Visão. Ambos possuem uma rotina sem desgastes ou qualquer tipo de conflito, onde a mesma desfruta da vida que sempre sonhou, mostrando claramente o estado de negação da personagem.

A fase de negação é quando o enlutado nega a existência da perda, não fala sobre o assunto e procura desculpas para não aceitar a realidade. Nos primeiros episódios um agente da S.W.O.R.D entra no domo através do bueiro e tenta conversar com Wanda, que imediatamente “rebobina” a fita, voltando para um momento feliz, fugindo novamente da realidade.

O melhor jeito de lidar com o estágio da negação é respeitar os sentimentos que permeiam esse momento, portanto, é importante que as demais pessoas respeitem esse tempo ao invés de contradizer as negações de quem está vivendo a perda.

Já a raiva envolve um sentimento de revolta perante a situação e muitas vezes pode ser direcionada a terceiros. Todas as vezes que alguém se contrapõe ou ameaça a realidade criada por Wanda, ela é tomada por uma ira intensa. A cena que ilustra muito bem esse sentimento é quando Monica Rambeau é expulsa de Westville ao tenta confrontar Wanda com algo que ela ainda não quer lidar.

Créditos da imagem - Divulgação: WandaVision / Disney+

Depois de passar pelos estágios de negação e raiva, Wanda entra na fase da barganha. Em determinado momento da história, ela sai do domo e ameaça  os agentes da S.W.O.R.D, pedindo para que os mesmos não atrapalhem sua vida e a  de sua família, caso contrário, todos teriam sérias consequências.

Na fase da barganha, temos consciência de tudo o que aconteceu, mas ainda não aceitamos muito bem a situação, a partir disso, tentamos fazer um “acordo” com a vida ou alguma divindade para que ela nos devolva aquilo que foi tirado de alguma forma.

No  sétimo episódio conseguimos enxergar uma Wanda totalmente em depressão, sentada no sofá sem muitas expectativas de vida, vendo tudo o que ela criou desmoronando diante dos seus olhos. A depressão é o estágio onde finalmente há o reconhecimento do luto, chegando à conclusão que infelizmente nada poderá ser feito para reverter  o ocorrido.

A Feiticeira Escarlate finalmente começa a compreender que tudo o que ela criou, acabou gerando consequências negativas na vida de pessoas inocentes e vê tudo desmoronando sem saber como reverter a situação, demonstrando estar perdida e angustiada.

A depressão dentro do processo de luto é uma das fases mais importantes, porque é nela que a pessoa para e repensa suas decisões e experiências de vida. Neste estágio é muito importante ter uma rede de apoio, amigos, familiares e de preferência, acompanhamento psicológico para lidar com a tristeza e a saudade.

Com o propósito de identificar a origem dos poderes de Wanda, Agatha Harkess, a grande vilã da história, a obriga  reviver todas as suas perdas, e percebemos que durante toda a vida ela precisou lidar com o fato de perder alguém importante, e que quando finalmente conseguiu amar novamente, isso foi tirado dela de forma trágica e dolorosa.

A realidade criada por Wanda foi um mecanismo de defesa para lidar com toda a dor somatizada ao longo dos anos; reviver os momentos traumáticos trouxeram angústia, mas também auxiliaram no seu processo de aceitação. Cada um possui seu próprio tempo para vivenciar o luto, mas em determinado momento, será necessário lidar diretamente com os seus sentimentos, encarando de frente a perda e as aflições que pairam ao redor. 

Depois do turbilhão de emoções, Wanda finalmente está disposta a consertar todo o dano que causou e a aceitar a morte de visão. O processo de aceitação é lento e gradativo, onde o enlutado aos poucos compreende sua nova realidade constituída pela ausência de quem partiu.  Apesar de todo o poder e grandiosidade, Wanda sofre com as perdas como qualquer ser humano “normal”, e é por esse motivo que muitas pessoas se identificam com ela.

Créditos da imagem - Divulgação: WandaVision / Disney+

Após abordar um pouco sobre o luto da série, gostaria de dividir com vocês um pouco sobre o meu processo de luto. Em 2018, minha mãe morreu “do nada”, e foi uma das piores dores que eu já senti em toda a minha vida. Era uma mistura de angústia com desespero, uma dor emocional gigantesca, mas que ao mesmo tempo fazia o meu peito arder.

Nós nunca estamos preparados para perder alguém, por mais que saibamos que isso um dia vai acontecer. Voltar para terapia foi essencial para o meu processo, assim como o apoio dos meus amigos e familiares também ajudaram muito.

Lembro-me de que a minha psicóloga disse algo que levarei para o resto da minha vida, ela disse: “Ana Claudia, você precisa encarar o seu processo de luto, para que ele seja uma fase e não se tornar parte da sua vida”. A dor precisa ser sentida e vivenciada para que, enfim, ela possa ser ressignificada.

Depois de um ano e um mês da morte da minha mãe, meu pai também morreu. Apesar de toda a dor e sofrimento, eu consegui ressignificar a morte deles e não foi algo fácil, mas necessário. Ainda sinto saudades, e às vezes choro, mas o peso e a tristeza foram embora, pois eles levaram um pedaço de mim, mas também deixaram um pedaço deles comigo e é isso que me motiva todos os dias a ser forte para lidar com qualquer tipo de problema.

Se você perdeu alguém recentemente, não reprima a sua dor, sinta ela de forma intensa, chore, grite, coloque tudo para fora, mas não perca a sua vida também, pois ela é importante e precisa ser continuada. Procure um psicólogo e se cerque de pessoas importantes. Afinal de contas, “o que é o luto, se não o amor que perdura?”

Disponível na plataforma Disney+, WandaVision é uma série baseada nos personagens Wanda Maximoff (Feiticeira Escarlate) e Visão, da Marvel Comics. A história se passa após os eventos ocorridos no filme Vingadores: Ultimato, então recomenda-se assistir o filme antes de assistir a série.

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Uma psicóloga que busca promover saúde mental e explicar assuntos relacionados a psicologia através de filmes e séries de maneira simples e descomplicada.

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