BEM-VINDOS À LIVRARIA HYUNAM-DONG | RESENHA LITERÁRIA
A fim de encontrar o nosso lugar de pertencimento, trilhamos um caminho de sonhos rasos, causamos frustração a demais por não cumprimento de expectativas que não nos pertencem, e claro, nos questionamos sobre o que de fato rege a felicidade em nós. Parece um pouco complexo, mas na realidade, de forma bem simples, são esses sentimentos tão universais que Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong desperta aos leitores que parecem cair de cabeça nesse livro, principalmente, nos momentos que parecem buscar ou simplesmente necessitam de colo ou afago.
O livro narra a história de Yeongju, uma mulher que infeliz pelas escolhas que fez na vida, decide deixar tudo para trás, enfrenta o julgamento dos pais e recomeça de forma inesperada. Visto que o mercado editorial é um comércio difícil e ingrato de se manter em qualquer lugar do mundo, ainda assim, Yeongju decide abrir uma livraria, já que a sua maior paixão são os livros.
Traçando fortes decisões e desafiando o sistema, Yeongju abre a Livraria Hyunam-dong, pensando em torná-la um local acolhedor, aconchegante e seguro, onde as pessoas pudessem tomar bons cafés e conhecer diferentes histórias, além dos populares best-sellers. Já parou para analisar quantas histórias deixamos passar nas prateleiras de uma livraria por simplesmente procurar somente títulos bem vendidos que agradou uma parcela da população e nem sempre são tudo isso que falam mesmo?
Apesar do livro de Hwang Bo-Reum estar na minha lista de livros desejados desde o seu lançamento e o ter ganho há alguns meses, eu não fazia ideia de que a leitura do livro aconteceria exatamente no momento que eu mais precisava lê-lo. Inesperadamente levei mais tempo para concluir o livro do que imaginava, mas não porque a história é arrastada ou mal escrita, pelo contrário, fui embalada por uma experiência imersiva de uma protagonista que me identifiquei instantaneamente.
Me disseram que ao chegar na casa dos trinta, a minha percepção sobre a vida e a sociedade mudaria. Realmente, nisso as pessoas estavam certas, só esqueceram de avisar que também é uma das fases que eu me sentiria mais perdida, impotente e solitária em diversas camadas.
Em alguns momentos, foi como se eu estivesse lendo alguém expondo alguns fragmentos meus para que todos pudessem ler. A paixão pelos livros, claramente guia Yeongju em suas escolhas, lhe traz conforto quando os pensamentos se tornam altos demais para lidar sozinha, e nos trazem respostas até mesmo para perguntas que ainda não haviam sido feitas.
Questões como relações abusivas no aspecto amoroso, familiar ou profissional, existem em todas as culturas, por isso que apesar de ser um livro sul coreano, essa barreira se quebra e conseguimos nos conectar com as mesmas aflições. A incerteza de sermos bons o suficiente, a insegurança de seguir os sonhos ao invés daqueles dos pais ou até mesmo ousar ser alguém feliz, ao invés de ser o que a sociedade espera que sejamos.
Sem me aprofundar nas questões sociopolíticas porque não é algo que eu tenha conhecimento o suficiente para explanar abertamente, mas algumas questões soam quase como um desabafo ou até mesmo uma crítica pessoal da autora sobre como os sul coreanos são cobrados incessantemente para serem alguém.
Apesar de todo o brilhantismo que vemos na indústria musical e nas produções televisivas da Coreia do Sul, existe uma parcela sombria que é pouco falada, por exemplo, a de que o país tem uma das maiores taxas de suicídio do mundo. Apesar de Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong não ser sobre isso ou tratar sobre esse assunto, algo ali, me fez recordar da angústia que muitos sul coreanos vivem.
Após os períodos de guerra enfrentados pelos coreanos e o país ter conseguido se reerguer rapidamente, esse crescimento econômico não acompanhou a necessidade de todos, o que contribuiu para uma desigualdade econômica gritante até os dias atuais. Uma produção que faz uma crítica ferrenha sobre isso ao resto do mundo foi o filme Parasita, ganhador do Oscar de Bong Joon-ho.
Os jovens sul coreanos já crescem com um instinto de competição gigantesco por uma vaga na faculdade, um emprego renomado, ou uma família tradicional, caso contrário, são vistos muitas vezes como pessoas fracassadas.
Em Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong, a protagonista enfrenta grandes problemas principalmente com a mãe, que não consegue aceitar as escolhas da filha, para ela o certo era seguir com as escolhas de antes, mesmo que ela fosse infeliz com elas. Percebem a conexão entre as relações da história com fatores enraizados e adoecidos na cultura sul coreana?
Entretanto, como dito, este não é o tema do livro, tão logo o cerne da questão. Quando esse livro chegar até você, recomendo que o abrace com carinho, e tenho certeza, que seu coração vai sentir o momento certo para lê-lo.
Se você está procurando por uma história que vai te trazer reflexões sobre a vida, talvez algumas crises existenciais, de tal forma que te traga lições sobre recomeços com ou sem medo, Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong é para você.
Em alguns momentos me senti a própria protagonista tentando entender a vida, onde errou, o que de fato queria e como o futuro parece tão assustadoramente nebuloso às vezes. Mas também consegui me identificar com tantos outros personagens, como o tímido barista, Minjun, que também parece vagar nas expectativas dos outros sobre si mesmo e acaba descobrindo que o que deseja é a escolha de sonhar com o simples e a calmaria existente no tempo livre.
Sem querer estragar a experiência de ninguém, porque senti que essa leitura foi uma espécie de viagem interna para mim, tendo eu trilhado momentos de choro, alegria e paixão, mas como dito no próprio livro: “Não quero que as boas histórias permaneçam apenas nos livros. Quero que coisas boas aconteçam ao meu redor e quero poder compartilhá-las com outras pessoas”.
Marcella Montanari
Uma jornalista um tanto quanto nerd, apaixonada por conteúdo, música, filmes, séries e afins. Fundou o blog para dividir as alegrias e as angústias de uma vida que surpreende a cada novo capítulo.