ROMA ESTABELECE FOCO NAS PESSOAS | MARATONA OSCAR
Para continuarmos nossa Maratona Oscar 2019, falaremos sobre o tão aclamado Roma, filme imersivo que nos conquista pelos detalhes, mesmo os mínimos. O diretor Alfonso Cuarón não entrega menos do que uma obra focada nas pessoas. Pela primeira vez a Netflix tem um filme concorrendo ao Oscar, e acredite, não foi uma passagem simbólica. Essa estreia aconteceu com 10 indicações, sendo elas: Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Mixagem de Som, Melhor Direção de Arte e Melhor Edição de Som; isso citando apenas Roma, fora as demais 5 indicações que a plataforma recebeu por The Ballad of Buster Scruggs.
ATENÇÃO! ESTE TEXTO ESTÁ REPLETO DE SPOILERS. ESTEJA AVISADO(A)!
Roma é uma autobiografia dos tempos de criança de Cuarón e carrega diversas simbologias ao longo da narrativa. O título inclusive remete ao bairro onde o diretor cresceu, Colonia Roma, uma das melhores localizações da Cidade do México. Muitas das cenas foram realizadas com diferentes tipos de travelling, que nos permite acompanhar os personagens de maneira ainda mais realista, e o formato de 65mm preenche a tela e transborda os olhos do espectador. O fato do filme ser em preto e branco de acordo com Cuarón, tem a intenção de remeter o espectador às lembranças, não a algo vintage ou antigo, mas um resgate às memórias do diretor. A ausência de cor também não permite maiores distrações, mantendo o foco no que está sendo contado e na força daquela história; a beleza facilmente nos conquista.
Roma que é tido como um dos favoritos da noite, também nos mostra uma hierarquia social de realidades que se contrastam. Cuarón doa o protagonismo para nos apresentar a história de Cleo (Yalitza Aparicio), uma empregada que vive no mesmo ambiente de trabalho juntamente com outra funcionária, Adela (Nancy García). Ambas servem uma família grande, na qual o casal Antonio (Fernando Greiaga) e Sofia (Marina de Tavira) possuem 4 filhos, sendo Toño (Diego Cortina Autrey), Paco (Carlos Peralta), Sofi (Daniela Demesa) e Pepe (Marco Graf). A mãe de Sofia, Teresa (Verónica García) também vive com a família. O resgate particular de Cuarón também era a realidade de muitos do México dos anos 1970. A respiração, o trânsito, o tiques e taques do relógio, os passos das pessoas, o canto dos passarinhos, o barulho caótico do mundo exterior – nada passa despercebido e chamam a atenção, porque fazem parte do mundo de Cleo, assim como de nosso, mas que nos passa despercebidos em nossas vidas caóticas.
O cenário de tensão do Governo da época e manifestantes se faz presente em segundo plano. Podemos ouvir as crianças falarem sobre violência, morte, tiros, assim como vemos as marchas constantes nas ruas do bairro, mas a cena que nos revela a gravidade do que acontece no mundo exterior à casa em Roma é quando Cleo e Teresa saem para comprar o berço do bebê e ações violentas explodem na rua, podendo ser observadas pelas pessoas da loja no andar de cima. O episódio verídico aconteceu no México em 10 de junho de 1971, e resultou na morte de 120 pessoas, tendo ficado conhecido como o Massacre de Corpus Christi ou “El Halconazo”, quando estudantes que se manifestavam contra o opressivo governo de Luis Echeverría Álvarez foram atacados pelo grupo paramilitar “Los Halcones”. Em Roma, durante a cena do ataque, algumas pessoas do grupo paramilitar perseguem alguns manifestantes que entraram na loja e os matam, na frente de Cleo e Teresa, a surpresa vem quando descobrimos que o ex-namorado de Cleo e pai de seu bebê, Fermín (Jorge Antonio Guerrero) faz parte do grupo e chega a apontar a arma para Cleo. Todo o silêncio e a quietude de Cleo desde a descoberta da gravidez é quebrada nesta cena. A falta de reação verbal se manifesta pelo corpo. Sua bolsa se rompe e o atraso do trânsito e o caos das ruas impedem sua chegada às pressas até o hospital. O feto nasce morto. Após o episódio, Cleo parece se esconder dentro de si mesma. Somente na cena da praia, a água do mar parece despertar ou lavar o sentimento que mantinha em segredo durante tanto tempo, ela nunca desejou ter aquele bebê.
A SIMBOLOGIA PRESENTE EM ROMA
Podemos perceber até mesmo uma simbologia nos carros da família, mesmo talvez não tendo sido algo proposital. O filme se inicia com Cleo lavando a garagem que tem um espaço limitado e está suja com as necessidades do cachorro. Na mesma garagem, Antonio faz grande esforço para que o carro caiba milimetricamente sem riscar a pintura, mas parece sempre ser um grande esforço essa tarefa, como se aquele espaço não fosse designado para aquele modelo. Podemos metaforicamente assemelhar o modelo do carro com o personagem em si. Antonio e Sofia sofrem desentendimentos em seu relacionamento que parecem estar por um fio. É como se Antonio não se sentisse pertenço a família mais, como se não se encaixasse naquele espaço que lhe havia sido designado. Após o abandono do médico ao lar, Sofia utiliza o carro e o estraga tanto na rua, quanto tentando colocá-lo na garagem, como se não aceitasse que o modelo, de fato, não coubesse ali e a mesma estivesse aprendendo a caminhar pelas próprias pernas novamente. Em uma das cenas, Sofia chega em casa e derruba algumas partes da pilastra da parede, obrigando aquilo que não pertence mais, se manter ali. Em resumo, este momento passa pela não aceitação de Sofia ao fim do relacionamento. Ao fim, quando ela parece ter superado o abandono do marido à família, ela compra um carro menor, que cabe perfeitamente na garagem e com tamanho ideal para carregar os filhos, não tendo mais problemas ou sufocos como antes, simbolizando a aceitação de um recomeço merecido por ela e pelos filhos.
Ao final, antes do créditos, vemos que o filme é dedicado a uma mulher chamada Libo. Liboria Rodríguez, de origem índigena, trabalhou muitos anos na família de Cuarón, desde que o diretor tinha apenas 9 meses. Libo serviu de inspiração para o roteiro de Roma, e no desenvolvimento de Cleo.
Cuarón presenteia as pessoas com a aura poética e de grande sensibilidade de Roma. Uma complexidade absurda que transita no meio fio de mãos dadas com a simplicidade e a genialidade. É preciso ser um grande ser humano para despertar no outro a capacidade de nos fazer viver completamente uma história que não nos pertence, e Cuarón faz isso com maestria.
NOTA:
TRAILER:
Continue acompanhando nosso especial Maratona Oscar 2019! 😉
Marcella Montanari
Uma jornalista um tanto quanto nerd, apaixonada por conteúdo, música, filmes, séries e afins. Fundou o blog para dividir as alegrias e as angústias de uma vida que surpreende a cada novo capítulo.