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APRESENTAÇÃO INSPIRADORA DE SAM SMITH NO LOLLAPALOOZA

Levei muito tempo para dar atenção para Sam Smith, sim, já havia ouvido falar sobre essa pessoa icônica, e sua legião de fãs, mas devo admitir que sem entender muito bem os motivos, sua música até há pouco tempo não havia captado minha atenção. Foi navegando pelo youtube, ao assistir uma apresentação linda, diga-se de passagem, da música HIM, criada pelo coreógrafo Kyle Hanagami e seus dançarinos escolhidos a dedo para performá-la que pela primeira vez, de fato, parei para prestar atenção na música de Sam Smith e só posso ressaltar que foi incríveil, o suficiente para me obrigar a repetir comigo mesmo: não posso perder a apresentação de Sam Smith no Lollapalooza.

Sam retornou ao Brasil e se apresentou na última sexta-feira, 5, no Lollapalooza e fez uma apresentação que sem dúvidas, vai ficar na memória de muitas pessoas, incluindo as que assistiram a apresentação de casa. Não vou mentir que tinha uma imagem completamente diferente do artista que se apresentou no Lolla, o imaginava demasiadamente uma pessoa séria, mas a única coisa que percebi foi uma pessoa radiante, um grande talento dentro de um corpo maravilhoso em que estava perfeitamente confortável de habitar, sem medo de se sentir liberto em fazer o que seu espetáculo permitisse que fizesse.

Em entrevista para a atriz, Jameela Jamil, no intuito de contribuir com o movimento I Weigh, (movimento criado por Jameela, no intuito de mostrar que as pessoas possuem valores e que podem criar coisas incríveis que vão além de carne e osso – peso) Sam admitiu que lutou contra seu corpo durante toda a vida. Simples momentos como tirar uma camisa eram perturbadores para Sam, por sentir vergonha do próprio corpo, até perceber aos 26 anos que não poderia se sentir dessa forma para o resto da vida, já que é algo tão exaustivo.

Sam quebrou a barreira da masculinidade tóxica para não só começar a viver de forma diferente como para expor isso ao mundo. Reconhece que essa cobrança por um corpo perfeito é consideravelmente maior em cima das mulheres, mas fez um depoimento emocionante e revelou informações sobre sua vida pessoal que ainda eram desconhecidas pelo público. Sam Smith que sempre havia se declarado um homem gay, revelou que sempre sentiu grande desconforto com o seu corpo, pela cobrança da sociedade, mas também porque haviam questões ligadas à sua identidade de gênero, que ainda eram desconhecidas por ele e passaram a fazer sentido quando Sam buscou informações sobre o assunto.

Em entrevista, Sam revela:

“Quando eu vi a palavra, non-binary genderqueer, e li sobre isso, ouvi as pessoas falando sobre isso. Eu pensei: Merda! É isso que eu sou. Non-binary genderqueer significa que você não se identifica com um gênero. Você é apenas você. Você é uma mistura de todas as coisas diferentes. Você é sua própria criação especial. É como eu vejo. Não é como, eu não sou homem ou mulher, eu acho que eu flutuo em algum lugar entre ambos. Está tudo em um espectro.”

https://twitter.com/multishow/status/1114309118720978945
(Reprodução | Divulgação: Sam Smith no Lollapalooza | Multishow via Twitter)

“Você se apaixona pelas pessoas, não pelas genitálias.”

Já sobre sua orientação sexual:

“Sempre fui muito livre, a respeito de pensar sobre sexualidade e então eu apenas tentei mudar isso para pensar da mesma forma em relação a gênero; e isso tem relação com o meu corpo porque eu tinha seios (Ginecomastia) quando eu tinha 11 anos de idade. Eu tenho um corpo muito feminino quando eu me movimento, quando eu transo com homens, é muito feminino, mas eu sou feminino de várias maneiras e eu sempre ressenti isso; eu dizia para mim mesmo: não! Isso não é masculino, não é assim! Você vai malhar, você vai perder peso porque isso é o que os homens fazem. Eu estava obcecadx por isso, e enviava fotos para o meu treinador do Tom Hardy e dizendo: eu preciso me parecer com isso, quero me parecer com aquilo, mas eu nunca vou me parecer com aquilo porque tem um pouco de uma mulher em mim, que não vai permitir que eu movimente meu corpo para me parecer com aquilo.”

“Talvez eu não seja homem, talvez eu não seja uma mulher, talvez eu seja apenas eu, e talvez esteja tudo bem ser assim.”

Ao questionar Sam sobre o que gostaria de promover com sua arte, foi dito:

“Eu gostaria de promover o perdão para as pessoas que me seguem, através de qualquer coisa que eu faça. Perdão por … apenas perdoar a si mesmos de alguma forma. Está tudo bem tropeçar, está tudo bem ser uma pessoa falha, está tudo bem não se parecer com o que as pessoas esperam de você. Isso é importante, mas ao mesmo tempo, eu só quero ser eu mesmx o máximo que eu puder ser e não quero pensar demais nisso também, sabe? Eu só quero postar o que eu for postar e permitir que seja uma coisa natural e que eu não fique obcecadx, porque sabe, eu quero ser um porta-voz, eu quero falar sobre toda essa merda, mas eu tenho enfrentado toda essa merda diariamente. Eu estou realmente lutando contra tudo isso na minha cabeça. Eu posso fazer entrevistas como essa, eu posso falar abertamente quando eu me sinto confortável para fazer isso e quando eu posso, mas eu tenho um longo caminho para percorrer antes de me sentir feliz. Eu apenas quero promover o fato de que o amor próprio, eu não gosto da palavra (amor próprio), ela soa estranha pra mim, mas amor próprio não é um destino como as pessoas imaginam, que você vai alcançar um ponto em que vai se sentir como: porra! Eu me amo e não vou precisar me esforçar mais pra me amar. É uma prática e é isso que eu quero promover. A prática da vida. Se você se sentir triste ou acabar se tornando uma pessoa depressiva, se você tem problemas com o seu corpo, você precisa trabalhar nisso diariamente, o dia todo, como se você fosse se exercitar, assim como qualquer coisa, você precisa trabalhar em cima disso, você precisa fazer coisas que vão te ajudar e isso também é ajudar por aí.”

Sobre se sentir liberto para ser quem nasceu para ser:

“Eu acho que vou começar a viver de maneira ensurdecedora, considerando que antes eu sentia medo de quem eu poderia ofender, ou se eu me chatearia, ou se eu cometeria erros. A minha mentalidade no momento é: foda-se. Foda-se todo mundo, foda-se tudo. Eu vou ser eu mesmx até o fim, e eu vou cometer erros na frente de todo mundo porque sou famosx e eu estou cansadx de ficar escondendo tudo isso, é exaustivo demais.”

(Esta foi uma tradução livre a partir da entrevista concedida por Sam a Jameela Jamil – I Weigh. Você pode conferir o vídeo da entrevista completa clicando aqui

.)

Antes de realizar o show no Lollapalooza, Sam Smith tirou um day-off para ficar nu, o dia todo, apenas assistindo TV, lendo e comendo. Os motivos? Celebrar o próprio corpo, no intuito de se empoderar e se divertir. E por que isso deveria ser importante? Porque deveríamos falar mais sobre este tipo de assunto? Porque ainda existem muitas pessoas que pensam assim:

(Reprodução: Facebook - comentários em foto divulgada de Sam Smith sem camisa)

A cobrança por um padrão corporal perfeito é ainda maior no universo feminino, e o lado ainda mais lamentável de comentários assim é que a maior parte deles, foram feitos por mulheres. Como podemos mudar uma estrutura tão tóxica e danosa na sociedade quando as maiores vítimas deste sistema também são responsáveis por propagarem tanto ódio? Por trás de uma grande voz, existe uma pessoa, por trás dessa camada que temos acesso, existe carne, ossos e sentimentos, existe saúde mental, existe o enfrentamento solitário contra o envenenamento dessa sociedade que ao passar dos anos, não aprende. É importante que tenhamos grandes figuras como Sam Smith, na luta pela aceitação em ser quem é, independentemente de classificações. Enaltecendo a importância de uma figura pública, trazer o fato de não se encaixar nos parâmetros sociais comuns de gênero. A maior parcela da sociedade está longe de entender completamente a complexidade deste assunto, e suas variadas classificações, por isso a importância de nos informarmos, perguntarmos de forma educada e não invasiva quando não entendermos, abrirmos a mente para receber algo fora do que é comum para nós, ou apenas respeitar o fato de que aquela pessoa é diferente do que sou, e está tudo bem em relação a isso, contanto que essa pessoa seja feliz e respeitada por ser assim. Não escolhemos quem queremos ser ou amar, apenas somos, apenas amamos.

Sam Smith não atraiu minha atenção no seu auge explosivo da carreira, me chamou a atenção no seu momento de exposição pessoal, de liberdade, de amor próprio, no compartilhamento da sua felicidade e do perdão consigo mesmo, por se sentir feliz em habitar aquele corpo. Foi inspirador assistir seus movimentos, ouvir sua música e entende-la, seu brilho no palco do Lollapalooza, seus sorrisos distribuídos pelo reconhecimento por ser x artista que escolheu ser, e que por trás de sua performance, existe um ser humano que tropeça, mas que escolheu enfrentar uma sociedade doente e hipócrita sendo tudo aquilo que compõe por inteiro a pessoa, Sam Smith.

Não ocupo o lugar de fala aqui, nem sou protagonista dessa discussão. Sou mulher, cis, hétero, mas em termos de empatia e respeito, procuro fazer o meu papel. Este texto é dedicado ao querido Rodrigo Carvalho, que após eu ter expressado o encantamento por Sam Smith, conversou muito comigo e sugeriu a pauta, além de acreditar na importância de gerarmos mais discussão sobre estes assuntos, que são urgentes em nossa sociedade.

Uma jornalista um tanto quanto nerd, apaixonada por conteúdo, música, filmes, séries e afins. Fundou o blog para dividir as alegrias e as angústias de uma vida que surpreende a cada novo capítulo.

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