Vozes de Tchernóbil: A história oral do desastre nuclear
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VOZES DE TCHERNÓBIL: A HISTÓRIA ORAL DO DESASTRE NUCLEAR DE SVETLANA ALEKSIÉVITCH | RESENHA LITERÁRIA

Por longos sete meses, ‘Vozes de Tchernóbil: A História Oral do Desastre Nuclear’ pela jornalista e escritora ucraniana, Svetlana Aleksiévitch estiveram presentes em minha rotina, e a cada página, um furo feito em minha alma leitora. Com uma observação aguçada de uma realidade encoberta há muitos anos por mentiras do mais alto escalão da União Soviética, Svetlana nos traz vozes que cantam dores ignoradas, esquecidas e desconhecidas.

Um passado não tão distante de 1986 que numa dança medonha flerta com os nossos piores pesadelos atuais. Situações diferentes, mas que se assemelham na falta de humanidade e na crueldade para lidar com o desconhecido. O cegamento de uma devoção ingrata, o sacrifício confundido com heroísmo e o sentimento de traição da alienação que sentenciou um rastro de mortes que alastraram e se perduraram de formas cruéis até os dias presentes.

Afinal de contas, qual é o preço da mentira? Qual é o preço do ego inflado e da vergonha de admitir o acometimento de erros ou da temida imperfeição? O quanto vale a vida humana nessa balança gelada e desigual? Pessoas deixaram de ser pessoas neste processo, ou pelo menos deixaram de se parecer fisicamente com uma, mas nunca tiveram suas histórias apagadas completamente como suas digitais e identidades humanas.

Vozes de Tchernóbil foi uma das leituras mais importantes e aflitivas que já fiz ao longo da minha existência. A intenção ao abrir o livro pela primeira vez foi devorar todo o seu conteúdo, mas fui barrada inúmeras vezes pela falta de ar que as dores ali contidas, me despertaram. Um trabalho jornalístico e humanitário, para nos lembrar que Chernobyl é mais do que uma das maiores tragédias nucleares, mas um protetor de vidas e sonhos que foram drasticamente interrompidos.

Como caminhar em um novo mundo, após o até então conhecido, ter sido severamente desmascarado? Onde todas as proteções e crenças daqueles devotos tenham sido aniquiladas? Como sobreviver em meio a ignorância e o preconceito de ser uma vítima do descaso? O que se leva daqui? Honra? Conquista? Glória? Heroísmo? Gratidão? Recompensa? Qual?

Vozes de Tchernóbil: A história oral do desastre nuclear
(Divulgação: Vozes de Tchernóbil: A história oral do desastre nuclear | Companhia das Letras)

Circular pelas florestas que hoje invadem as cidades fantasmas da zona de exclusão, pode parecer um passeio ensurdecedor. Há mais do que traços de radiação e contaminação ali. Isso, se contarmos as histórias que conseguiram ser salvas, gravadas ou captadas. Quantas foram perdidas ou silenciadas?

O ser humano é reincidente em ser crente naquilo e naqueles que não deveria crer. Nem sempre há a escolha ou o consentimento. Somos enfeitiçados pela nossa vasta ignorância, pela nossa fé e pelos desejos imundos que classificamos como prioritários. Insistimos na ideia de que somos superiores aos demais seres vivos que já passaram por aqui. De que somos intocáveis e invencíveis. Quanta volúpia o egoísmo nos causa.

As fronteiras, o idioma, as origens, as crenças, tudo, tudo mesmo parece maior do que realmente é, porque fazemos questão de afirmar que sim, mesmo sabendo que não. O que nos divide, somos nós mesmos e nossas mentiras. Nossa vontade de sermos enaltecidos o tempo todo como o centro de algo. A fim de quê?

O mundo insiste em bajular pessoas destrutivas para nos representar e se cala perante as provas de que isso não é uma novidade. Insistimos em seguir os tolos, porque apesar da falta de inteligência, são mais corajosos pra expor o ódio pelo outro que nutrimos desde que nascemos. Compactuamos ódio e não há um culpado por isso a não sermos nós mesmos.

Em forma de redenção, os relatos de Vozes de Tchernóbil apresenta respeito pelas vidas perdidas. Hoje, em 2020, também nos lembra de que governos que mentem podem ser tão destrutivos quanto um sarcófago radioativo, caso aberto. Uma leitura de 1997 que nos deixa reflexão, muitas interrogações sobre nossa própria relação com a vida ao analisar que ainda hoje, para muitos, vidas não possuem valor e nomes se tornam números.

Aleksiévitch traz aquele despertar ao engano que somos submetidos desde o início de nossa jornada, o de achar que a vida é eterna e que jamais seremos pegos desprevenidos pelo beijo da morte.

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Uma jornalista um tanto quanto nerd, apaixonada por conteúdo, música, filmes, séries e afins. Fundou o blog para dividir as alegrias e as angústias de uma vida que surpreende a cada novo capítulo.

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